Situado em um dos espaços mais privilegiados dentro do planejamento urbano de Belo Horizonte, o CCBB-BH tem ao seu redor exemplares de diferentes planos para a capital mineira. O desenho da praça e dos edifícios em seu entorno, concebidos ainda nos anos 1900, trazem referências à arquitetura neoclássica e aos jardins franceses. Nas décadas de 1940 e 1950, entretanto, passaram a integrar o conjunto o Edifício Niemeyer e a Biblioteca Pública, duas faces bastante distintas do modernismo que então emergia no país. Décadas mais tarde, já nos anos 1980, foi construído o edifício conhecido como Rainha da Sucata, influenciado pela arquitetura pós-moderna que ainda hoje causa certa espanto aos frequentadores do local.

Com intenção de destacar a construção espacial como um processo permanente e ainda acrescentar uma nova camada, mesmo que temporária, aos distintos planos que convivem na mesma região, a ação “Canteiro Aberto” foi realizada nos dias 6 e 7 de junho de 2018, transformando parte da área externa do CCBB-BH em um espaço de convívio e construção. “Nossa ideia era reunir pessoas com diferentes concepções sobre o espaço, diferentes modos de pensar a cidade, e, a partir dessa reunião, experimentar dois dias de discussão e construção espacial”, resume Núria Manresa, arquiteta, arte-educadora e integrante da Brotos Oficina.

Aos participantes, em sua maioria jovens e adolescentes, foram disponibilizadas peças de plástico e madeira, ferragens e ferramentas de marcenaria, assim como terra e adubo. Sem que houvesse qualquer plano prévio sobre o ambiente a ser construído, a ação convidou os participantes a um processo colaborativo que se estendeu desde o planejamento até a efetiva construção do mobiliário que, dali em diante, passaria a integrar a paisagem do local.

“Entre os interesses do nosso trabalho, figuram processos e práticas construtivas menos hierárquicas, em que não se diferencie tanto, por exemplo, aqueles que planejam, os que constróem e os que usam determinado espaço. No canteiro aberto, propomos a ideia de trabalho livre, enxergamos o trabalho como linguagem, buscando que cada um ponha um pouco de si naquilo que faz, sem que haja separação entre o fazer e o pensar. Em vez de privilegiar apenas o desejo de um ou outro, buscamos identificar desejos coletivos, a partir de uma escuta ao mesmo tempo individual e conjunta”, observa Núria.

Colaboração

Como evidência dessa atitude, a atividade não por acaso incorporou, sem que isso estivesse previsto, outros colaboradores para além das duas dezenas participantes da oficina e dos integrantes da Brotos Oficina, composta pela arquiteta e seu parceiro, o antropólogo-marceneiro André Perillo. “Logo de início, observamos que alguns funcionários do CCBB utilizavam o espaço para descansar durante seus intervalos de trabalho, e já haviam, inclusive, construído dois banquinhos na mesma área. O trabalho partiu, então, da fala e das apropriações que esses funcionários já faziam do espaço, e não por acaso alguns deles acabaram participando do processo”, completa a arquiteta, reforçando o apreço pela aproximação entre construtores e usuários.

Entre os resultados visíveis do trabalho realizado pelo diverso coletivo, materializaram-se um banco pergolado de madeira, alguns bancos móveis, vasos para plantas e um jardim vertical, atribuindo novas características ao espaço externo do edifício. “No começo, surgiram, claro, algumas ideias mirabolantes, mas ao longo da própria construção fomos reavaliando o que seria feito. Como não tínhamos referências estéticas específicas, houve vários ajustes entre a imaginação dos participantes e o próprio fazer, que só se apura a partir da repetição”.

Além disso, conforme explica a arquiteta, aos poucos o foco dos trabalho acabou se deslocando do almejado resultado para o próprio processo e suas surpresas, incluindo a divisão dos grupos, discussões sobre a origem dos materiais, o manejo das ferramentas e até mesmo a escolha da trilha sonora. “Uma parte importante da experiência tem a ver com romper barreiras e viver em conjunto. Não é que seja harmonioso; são situações cheias de conflito, mas os conflitos são colocados, ouvidos e resolvidos”, aponta.

Ao tomar a centenária – e estática – Praça da Liberdade como uma espécie de contraponto, o projeto realizado pelo grupo teve como importante característica a possibilidade de se adaptar a diferentes situações, considerando, por exemplo o movimento das sombras ao longo do dia, assim como a mobilidade dos bancos. “Foi um exercício sobre como trazer outros interesses para a cidade, como brincar dentro dela e imaginar como ela seria caso não resultasse de uma disputa tão desigual entre diferentes poderes. Em contraposição a ordens que vêm de cima e de fora, privilegiamos os desejos terrestres, de quem habita o lugar, abrindo possibilidades de não sermos tão colonizados e tomando para nós a capacidade de decidir e querer coisas”.